domingo, fevereiro 12, 2006

Tem pão velho?

Vou contar-lhe um fato corriqueiro, que inesperadamente, trouxe-me uma grande lição de vida. Era um fim de tarde de sábado, eu estava molhando o jardim da minha casa, quando fui interpelada por um garrotinho com pouco mais de 9 anos, dizendo:

Dona, tem pão velho?

(Essa coisa de pedir pão velho sempre me incomodou desde criança. Na adolescência, descobri que pedir pão velho era dizer: "Me dá o pão que era meu e ficou na sua casa")

Olhei para aquela criança, tão nostálgica, e perguntei:

Onde você mora?
Depois do zoológico.
Bem longe, hein!
É... Mas eu tenho que pedir as coisas para comer.
Você está na escola?
Não. Minha mãe não pode comprar material.
Seu pai mora com vocês?
Ele sumiu.

E o papo prosseguiu, até que eu lhe disse:

Vou buscar o pão, serve pão novo?
Não precisa não, a senhora já conversou comigo!

Esta resposta caiu em mim como um raio.

Tive a sensação de ter absorvido toda a solidão e a falta de amor desta criança. Deste menino de apenas 9 anos, sem brinquedos, sem comida, já sem sonhos, sem escola e tão necessitado de um papo, de uma conversa amiga. Que poder mágico tem o gesto de falar e ouvir com amor!

Alguns anos já se passaram e continuam pedindo "pão velho" na minha casa e eu dando "pão novo", mas procurando antes compartilhar o pão das pequenas conversas, o pão dos gestos que acolhem e promovem. Este pão de amor não fica velho, porque é fabricado no coração de quem acredita naquele que disse: "Eu sou o pão da vida"

E deixou-nos um novo mandamento: "Amai-vos uns aos outros como eu vos amei".

Depois daquele sábado, eu acho que pedir "pão velho" significa dizer:


Converse comigo, dê-me a alegria de ser amado.

Ana Luzia Tocafundo
Assistente Social em Belo Horizonte

Nenhum comentário: